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“Em ciência, a criatividade é a arte de somar dois mais dois e obter cinco” – Arthur Koestler (1905 – 1983), escritor húngaro.

Desde os tempos primitivos o homem olha para o céu e imagina como é o seu funcionamento e a isto damos o nome de Cosmologia.

No pensamento de Aristóteles (384 a.C – 322 a.C), filósofo grego discípulo de Platão, o Universo seria infinito, estático e formado por cinco elementos essenciais: Água, Terra, Fogo, Ar e a Quintessência, ou o Quinto Elemento, uma substância invisível que forma os corpos celestes e é capaz de fazer com que eles não caiam sobre a terra. Durante os séculos que se seguiram esse elemento foi tomando diversos significados e instigou Isaac Newton a pensar em um princípio capaz de sustentar a lua e os corpos celestes em suas órbitas desenvolvendo então a teoria da gravitação.

Se considerarmos o pensamento primitivo de Aristóteles sobre a constituição da matéria e o seu desenvolvimento até os dias de hoje, poderemos perceber que, apesar de ele não ser “real” ou literal, há nele uma comparação com a realidade ou metáfora, que poderia ser considerado um arquétipo (ou um conjunto deles). E nisto consiste a raiz do desenvolvimento científico e a força motriz que permite a um físico estabelecer teorias para serem colocadas à prova.

Bem poderíamos hoje associar a Água ao estado líquido, a Terra ao estado sólido, o Ar ao estado gasoso e o Fogo ao estado de plasma, estados da matéria por exemplo. Mas também poderíamos associar o Fogo ao estado energético da matéria, através da equação de Einstein: E = m.c2 ,onde c é a velocidade da luz no vácuo equivalente a 300.000 km por segundo, fenômeno que é observável no mundo sub-atômico.

Este processo de intuição – criação que no mundo antigo teve uma raiz religiosa ou espiritual e seu paralelo com uma concepção lógica ou científica do mundo físico são chamados arquétipos, idéias que servem de modelos, como bem analisado por Carl Gustav Jung (1875 – 1961), fundador da psicologia analítica que postulou a existência de um inconsciente coletivo que se revela através da repetição de padrões ou imagens universais “primordiais” nas ações e realizações humanas, de geração em geração.

Um exemplo interessante é a figura mitológica do “Uroboros”, encontrado em diversas tradições espirituais e na Alquimia: A figura de uma cobra mordendo o próprio rabo e que representa a totalidade, a unicidade que abrange e liga todas as coisas.

Uma vez, o químico alemão Friedrich Kekulé (1829-1896), fundador da química orgânica, se deparou com o fato de que o Benzeno desafia a regra de ter 2 hidrogênios para cada carbono, conforme ocorre em outros hidrocarbonetos. O benzeno tem apenas 1 hidrogênio para cada carbono, representado por C6H6. Uma vez que cada carbono deve fazer 4 ligações, mesmo assumindo que algumas delas são duplas, ele não conseguiu uma explicação satisfatória para essa menor quantidade de hidrogênios, até que sonhou em 1865 com uma cobra engolindo o próprio rabo e acordou com a resposta: o benzeno estaria ligado na forma de um anel…

O sonho dos Alquimistas do século XVI como Nicolas Flamel, Paracelso e Nostradamus, era entre outras coisas, produzir em laboratório a Pedra Filosofal com a qual seria possível obter a transmutação dos metais em ouro e obter o Elixir da Imortalidade, capaz de prolongar a vida indefinidamente ou a Panacéia Universal, capaz de curar todas as doenças ou ainda o “Alkaest”, um ácido que dissolveria qualquer matéria. A alquimia medieval acabou fundando, com os estudos sobre os metais, as bases da química moderna. Eles também desenvolveram várias técnicas de laboratório como o “banho-maria” e descobriram diversos elementos e substâncias químicas como, por exemplo, o arsênico e o ácido clorídrico.

Os químicos modernos podem manipular elementos e substâncias inorgânicas e orgânicas (que possuem carbono e hidrogênio nas moléculas) para formar uma quantidade enorme de produtos químicos. Podemos reagir, por exemplo, uma solução de açúcar (que é um composto orgânico com muitos radicais OH, um poliol) com soda cáustica (NaOH, uma base) e permanganato de potássio (um agente oxidante cuja solução é púrpura e encontrado em farmácias na forma de pastilhas) de modo que, à medida que a reação de oxidação transforma os radicais álcool (OH) em ácido (COOH), o manganês vai se reduzindo e mudando a cor da solução para azul, verde e marrom-amarelado em uma bonita experiência chamada de “Camaleão”.

Porque a solução muda de cor? Porque após a reação química muda completamente a distribuição espacial dos átomos dos elementos, as órbitas dos elétrons e sua energia de ligação de modo que nessa experiência a solução passou a absorver comprimentos de onda diferentes enquanto a reação acontecia. Os núcleos de cada elemento ficaram inalterados mas os elétrons se distribuíram e foram compartilhados entre os elementos de um modo completamente diferente do que estavam antes.

Podemos então manipular elementos para formar substâncias químicas e reagi-las entre si. Isto se chama química. Não podemos, entretanto, transformar um elemento em outro, a menos que o núcleo do elemento seja alterado, isto é, a sua quantidade de prótons e nêutrons.

tabela períodica
A Química Nuclear

Então temos uma nova química, chamada química nuclear, inaugurada por Ernest Rutherford em 1919 que foi o primeiro cientista a transformar um elemento em outro quando ele bombardeou o núcleo do nitrogênio com partículas alfa (um átomo de hélio carregado eletricamente) transformando-o em oxigênio. Assim, o desejo dos alquimistas de transmutar os metais tornou-se realidade nos nossos dias com a fissão e fusão nuclear.

Na fissão nuclear, que ocorre nos reatores nucleares, núcleos pesados e instáveis, como o do urânio, desintegram-se para formar núcleos, mais leves e estáveis, libertando grandes quantidades de energia e também partículas radiativas como as partículas α (alfa), β (beta) e radiação eletromagnética γ (gama). E na fusão, que ocorre no Sol, o hidrogênio é transformado em hélio, também produzindo energia.

Agora temos uma química diferente. Antes, 1 kg de A + 1 kg de B (ex: hidróxido de sódio e ácido clorídrico) formam 2 kg de C + D (cloreto de sódio e água). A massa é conservada e uma pequena quantidade de energia é liberada, que chamamos entalpia ou calor de reação. Na química nuclear, entretanto, a energia liberada é tão grande que uma quantidade de massa “desaparece”, isto é, pela equação de Einstein E = m.c2, uma parte da massa é transformada em energia e então a massa inicial é diferente da massa final.

Não precisamos ir muito longe: Considere a massa do átomo de hélio (He) constituído por 2 prótons, 2 nêutros e 2 elétrons, igual a 4,0026 u.m.a (unidade de massa atômica que é equivalente a 1/12 da massa de um átomo de carbono). Agora, tomemos separadamente cada um dos componentes:

2 x massa do próton = 2,0146 uma
2 x massa do nêutron = 2,0174 uma
2 x massa do elétron = 0,0010 uma

A soma das massas será igual a 4,0330 u.m.a., portanto maior do que a massa medida. Essa diferença é chamada redução de massa e corresponde à energia de ligação dos componentes do núcleo de modo que parte da massa de cada partícula do núcleo é transformada na energia que as mantém unidas.

Uma Nova Química

Mas há um terceiro tipo de química. Uma química que ainda não conhecemos, tão estranha que 1 + 1 = 133 !!! Tão bizarra que duas massas pequenas podem resultar em uma partícula de massa tão grande que forme um buraco negro no interior de um acelerador de partículas !. Por essa razão, no LHC (Large Hadron Collider) do CERN, existe um detetor chamado ATLAS (A Toroidal LHC Apparatus) para encontrar o Bóson de Higgs e a eventual formação de buracos negros (!!!).

Estamos falando da química da união entre as partículas elementares, que desconhecemos quase que completamente, da química que explica a formação dos nêutrons e dos prótons. E então lembramos novamente de Aristóteles e sua interessante ideia de existirem “princípios” ou “elementos” que juntos em suas devidas proporções formam todas as coisas.

“Esse aparente passe de mágica deriva do fato de que o todo não é meramente a soma das partes, mas uma expressão da relação entre elas”

Assim ponderou Koestler, a respeito do processo de criação científica e que aqui tem um paralelo com a “realidade objetiva”, isto é, com aquilo que observamos na natureza.

A Física atual chama de partículas, como um fóton por exemplo, elementos que nem sequer são partículas de verdade, porque também se comportam como ondas. Eles são ondas ou partículas? São matéria ou energia afinal? Nesse sentido, a formulação aristotélica é melhor do que a nomenclatura utilizada pela física atual.

No post “A partícula de Deus” falamos sobre as partículas elementares. São aquelas formadoras de todas as coisas que conhecemos, assim temos “trincas de quarks”: um próton é formado por dois “quarks up” e um “quark down” e um nêutron por dois “quarks down” e um “quark up”.

Apenas nos aceleradores de partículas conseguimos realizar colisões entre prótons ou elétrons capazes de criar novas partículas, ou anti-partículas e até mesmo anti-moléculas (o anti-hidrogênio, que já foi obtido) que nunca existiram antes em nosso mundo.

Dentre essas partículas está o “Bóson de Higgs” cuja massa equivale a aproximadamente 125 GeV/c2 (a massa das partículas é medida como se fosse energia em Giga elétron-volt por velocidade da luz ao quadrado ou pode ser apresentada como energia de repouso medida em GeV), isto é, cerca de 133 vezes a massa de um próton equivalente a 0,938 GeV/c2.

Essa massa é “criada” pelo choque de apenas dois prótons à velocidade da luz com altíssima energia e resulta em outra, tão pesada como o elemento químico Iodo. Destes choques pode-se teoricamente formarem-se partículas tão pesadas, com uma densidade tão grande, que deformem a gravidade ao seu redor e absorvam tudo o que está em volta, sendo chamadas de buracos negros. Por sorte, elas são tão instáveis e tem um tempo de duração tão curto que não podem causar nenhum estrago, mas mesmo assim há o receio de alguns cientistas de que venham a se estabilizar algum dia, em alguma “experiência fatal” e então engolir o laboratório inteiro e toda o nosso planeta formando um buraco negro em nosso sistema solar…

Ninguém sabe ao certo o que aconteceu no “tempo zero” da explosão do Big-Bang há 13,75 bilhões de anos atrás, mas já se tem uma ideia no que começou a acontecer desde um trilionésimo de segundo até hoje, quando a temperatura baixou de 100 bilhões de graus e surgiram os quarks e os léptons (os férmions). Mas não sabemos porque a natureza escolheu este caminho, porque somos feitos de átomos e não de anti-átomos, porque foram formadas 17 partículas elementares (incluindo o Higgs que deu massa aos férmions) e não apenas 4 ou 5. Não sabemos porque existe massa, porque bem poderia ser que tudo fosse apenas energia ou luz, mas se assim fosse, não existiríamos, porque somente a massa possui energia gravitacional, somente a massa pode atrair a si própria e então a partir da poeira estelar formar as estrelas, os planetas, os minerais e compostos e poder dar suporte à vida que conhecemos.

Outra coisa que não sabemos: de que partículas elementares é formada a massa escura (ou a energia escura, derivada desta massa)?

Imaginem que se um dia dominarmos essa nova química, entenderemos porque 95% do Universo é composto desta massa e energia escura, que foi descoberta porque as galáxias estão acelerando. Não se trata do afastamento das galáxias por conta da explosão inicial, como se fosse uma nuvem de partículas que explodiram, mas sim de uma expansão de todo o universo causada por uma nova força que está sendo denominada de “quintessência” ou energia escura.

Enquanto a gravitação atrai as massas, uma força que está no “vácuo quântico” está puxando nossas galáxias e as afastando progressivamente entre si. Tal fenômeno , segundo a teoria da relatividade geral de Einstein, indica e a existência de uma forma desconhecida de energia cujo efeito é anti-gravitacional, ou repulsivo, e está superando a força de atração entre as galáxias. Esta nova componente não está prevista no “modelo padrão” da física, o mesmo que previu e obteve em 04/07/2012 a confirmação do “bóson de Higgs”. Por ser a quinta e mais abundante componente do universo, a nova e misteriosa “substância cósmica” já está sendo comparada ao “quinto elemento” de Aristóteles, uma susbstância imponderável, inalterável e transparente.

Se um dia formos capazes de construir partículas novas dominando a matéria e a energia, então elas formarão novos elementos e materiais com propriedades tão bizarras que o sonho dos antigos Alquimistas poderá enfim se realizar, e, quem sabe, poderemos então criar mundos inteiros a partir do domínio da matéria, transmitir informações em quantidades e velocidades impensáveis e gerar energia suficiente para transformar o ambiente tanto quanto desejarmos.

Observe a pintura ao lado, “Model in Profile”, do pintor francês Georges Seurat (1886) que está no Musee d’Orsay em Paris.

Para realizar seu trabalho artístico, ele aplicou as teorias científicas sobre a luz desenvolvidas no século XIX.

Usou a idéia sobre o contraste das cores do químico francês Michel Chevreul, a lei do contraste simultâneo das cores (livro de 1839), segundo a qual duas cores, uma ao lado de outra, sem serem mescladas, têm sua aparência original modificada. Por exemplo: uma cor fria e uma cor quente justapostas se reforçam simultaneamente, assim como uma cor quente com uma cor quente se esfriam, ao contrário de duas cores frias, que se aquecem.

Utilizou a descoberta do físico escocês James Clerk Maxwell (1850) que as cores podem ser misturadas e enxergadas formando uma mistura ótica, da mesma forma que na paleta dos artistas.

Inspirou-se também no artista e pesquisador americano Ogden Rood que propôs em 1879 que efeitos óticos idênticos acontecem quando diferentes cores são colocadas lado a lado em linhas ou pontos e, então, observados a uma certa distância, a mescla é completada pelo olho. Em suas pinturas, Seurat também recorreu à técnica da simetria dinâmica, usando retângulos de ouro, tal como Piet Mondrian e Leonardo Da Vinci.

Através de toda esta bagagem científica Seurat criou a escola chamada Pontilhismo (ou divisionismo) que mais tarde deu origem ao neo-impressionismo. A novidade consistia em justapor pontos de cores brilhantes e contrastantes para que a forma fosse percebida sem que se usasse a linha para contorná-la.

Em suas esboços, trabalhava somente com matizes de cores puras em sua paleta, que foram arranjados na ordem do espectro para criar uma trama de cores, usando pontos de tons contrastantes que representam o entrelaçamento das cores naturais com as cores da luz e seus matizes de sombras complementares.

Seus trabalhos foram considerados como arte científica porque neles foram utilizadas proporções de luz e cor tais que demonstram que as misturas óticas criam o mesmo efeito de luminosidade que a luz.

Pode-se dizer que a arte pontilhista foi precursora da televisão e da imagem digital.

O quadro acima é o famoso Estudo de Seurat “Uma Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte” (1884 – 1885) que está no Metropolitan Museum of Art de Nova York.

Ao observar este fantástico, maravilhoso quadro, o que ele poderia inspirar?

O ponto que quero chamar atenção aqui é a visualização que as Dualidades não são necessariamente incompatíveis entre si ou “mutuamente exclusivas”, como se diz na linguagem matemática. Os pontos, ao serem inseridos na tela constróem uma forma que não possui linhas que, entretanto, são vistas, aparecem na imagem; igualmente não há luz formada por um espalhamento de tinta pelo pincel ao cobrir o quadro, existem somente pontos claros e pontos escuros que criam o efeito de luz e sombras.

Este quadro remete a uma questão de 1926 que está presente ainda hoje na mecânica quântica e em muitas outras dualidades que encontramos não apenas na ciência, mas também em nossas vidas.

Como se pode entender o dualismo entre ondas e partículas que a luz apresenta e é comprovado em diferentes experiências? Como se pode entender sua natureza ondulatória e ao mesmo tempo corpuscular?

Niels Bohr introduziu em 1927 uma nova ferramenta lógica que chamou de “complementaridade”. Esse termo designa um modo de considerar, sem contradição, dois conjuntos de conceitos que se excluem mutuamente, mas que são ambos necessários para explicar uma realidade.